1. Prelúdio.
O habeas corpus tem origem histórica que remota à Carta de João da Terra de 1215 na Inglaterra denominado de Writ of Habeas Coprus ad Subiciendum, depois Habeas Corpus Act. No Brasil deu ar da graça em norma infraconstitucional inicialmente no denominado Código Criminal de 1832, passando mudanças substanciais ao longo do tempo para hoje está previsto no art. 5º, inciso LXVIII da CF e art. 647 e seguintes do CPP. (NOCOLITT, 2020).
Não há na jurisprudência, nem muito menos na doutrina, divergência a respeito da natureza do habeas corpus, instrumento criado para resguardar o direito de ir, vir e ficar que já sofre constrição ou está sendo ameaçado a sofrer, dai a aplicação ameaçado de maneira mediata ou imediata, dai insurge sua aplicabilidade objetivando reconhecimento de nulidades processuais, trancamento de processos, acesso a inquérito, reanálise de pena, entre diversas outras ilegalidades passíveis de serem reconhecidas e combatidas com a utilização do writ.
Em que pese o Habeas Corpus se encontra na norma infraconstitucional previsto no Código de Processo Penal no seu TÍTULO II, denominado DOS RECURSOS EM GERAL, não tem esse instrumento natureza de recurso, mas sim, de ação constitucional que representa verdadeiro instrumento de efetivação democrática e respeito à dignidade da pessoa humana evitando autoritarismos.
Ganha ainda mais relevo o habeas corpus na medida em que o legislador ainda tímido nas reformas do processo penal brasileiro em alguns momentos municiou a acusação de instrumento recursal para combater determinadas decisões e deixou a, por outro lado a defesa carente. Nesse sentido, da decisão que rejeita a denúncia a acusação pode manejar inconformismo através do Recurso em Sentido Estrito. Porém, da decisão que recebe a denúncia não há previsão legal de recurso para defesa, sendo assim, cabível e adequado o habeas corpus.
De se destacar, ainda que na grande maioria das vezes o habeas corpus, pela sua natureza de instrumento a coactar ato de ilegalidade que afronta a liberdade, vem acompanhado do pedido de liminar para buscar a liberdade imediata ou impedir a restrição desse direito.
No entanto, nos últimos tempos o habeas cospus tem passado por uma série de severas restrições muito proveniente do que se passou a denominar, nas palavras de Alberto Zacarias Tororon de “defensivismo dos Tribunais superiores”, uma postura adotada pelos tribunais, sobretudo tribunais superiores impedindo de logo o conhecimento dos writs em razão do que se convencionou denominar de uso excessivo do habeas copus.
Nesse sentido, os habeas corpus “cotidianamente esbarram no posicionamento consolidado perante quase a totalidade dos Tribunais, inclusive do STJ e STF, segundo o qual não seria admissível a análise de prova na chamada “via estreita do habeas corpus””.
De mesmo modo o STF editou o enunciado da Súmula 691 que sufraga o entendimento segundo o qual da liminar indeferida no habeas corpus monocraticamente pelo relator não cabe a imediata impetração de novo habeas corpus em face da decisão denegatória desse pedido in limine. Ainda que a súmula apontada tenha se restringido ao Supremo, a razão de decidir tem sido adotada indistintamente pelos Tribunais Pátrios, exemplo: “A jurisprudência desta Corte é firme na compreensão de que não tem cabimento o habeas corpus para desafiar decisão do relator que indeferiu o pedido liminar. Inteligência do enunciado sumular 691 do Supremo Tribunal Federal (precedentes)” (AgRg no HC n. 752.883/DF, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 30/8/2022). Tem sido um esforço hercúleo para a defesa romper a barreira da aplicação do mencionado verbete, principalmente depois da utilização de inteligência artificial nas Cortes Superiores, com o robô Victor do STF e Sócrates do STJ.
A restrição não se limitou a isso, foi mais além o Supremo no julgamento levado a efeito pela 2a Turma no RHC n.º 116711/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/11/2013 (Informativo 729) ao asseverar que “Não se conhece de habeas corpus ou de recurso ordinário em habeas corpus perante o STF”. Dessa feita o recado limitador da ação constitucional foi no sentido de que é necessário esgotar as vias recursais cabíveis, in casu o agravo regimental, para somente depois ser possível a impetração do writ.
Prevalece também o entendimento no sentido de que “Não deve ser conhecido o writ que se volta contra acórdão já transitada em julgado, manejado como substitutivo de revisão criminal, em hipótese na qual não houve inauguração da competência desta Corte. Precedentes da Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça.” (AgRg no HC n. 751.596/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022.).
Vale citarmos Maria Madera Nunes profunda conhecedora do tema:
De igual modo, tanto o Pleno quanto a 1ª e a 2ª Turmas adotam a perspectiva de que são inadmissíveis os Habeas Corpus formalizados contra decisão monocrática em face da qual caberia agravo regimental (HC 169.068-AgR/PI, j. 29/4/2019), ante a falta de exaurimento da jurisdição antecedente, e os impetrados em substituição de revisão criminal, por não se constituir meio adequado à revisão dos elementos de fato que dão suporte às condenações acobertadas pela preclusão maior (HC 154.973-AgR/SP, j. 17/5/2019).
Já nos casos de habeas corpus impetrado concomitantemente a recurso ordinário (apelação/agravo em execução/recurso em sentido estrito) a posição que o STJ tem adotado é no sentido de que, somente é possível tal manejo quando “o pedido formulado no writ seja diverso do objeto do recurso próprio e reflita mediatamente na liberdade do paciente” (Rcl n. 42.455/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 23/2/2022, DJe de 25/2/2022.)
Na hipótese referenciada acima, mesmo que venha admitindo a Terceira Seção do STJ a impetração concomitante ao recurso, limitou seu espectro de abrangência.
Já a 2 ª Turma do STF no HC n.º 127685/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30/6/2015 (Informativo: 792) asseverou que: “O habeas corpus não é meio processual adequado para o apenado obter autorização de visita de sua companheira no estabelecimento prisional.”
Não parou por ai a restrição do instrumento garantidor de liberdade, as Cortes Superiores não têm admitido “Habeas Corpus voltados contra impetrações que não tiveram o mérito julgado na origem (HC 592.213/SP, j. 29/6/2020)”, usando inclusive, como preceitua Maria Madera Nunes, como “fundamento no artigo 21-E, IV, do Regimento Interno do STJ “ para o Presidente da Corte indeferir liminarmente.
Por fim, a jurisprudência vem se alinhando, também em uma medida defensiva em entender pela impossibilidade do Habeas Corpus substitutivo de recurso, desprivilegiando um instrumento democrático que visa resguardar a liberdade, de processamento mais célere para obrigar as partes usarem o recurso cabível ou revisão criminal devendo esperar todo o trâmite do instrumento de impugnação, mesmo diante de ilegalidades flagrantes.
Pior, não raras vezes as Cortes Superiores flexibilizam o entendimento firmado para inacreditavelmente não conhecer da ordem pelo seu não cabimento para contraditoriamente conceder habeas corpus de ofício.
Conforme se demonstrará mais pormenorizadamente adiante tal postura das Cortes, seguida pelos Tribunais Pátrios acaba por criar uma insegurança jurídica, sendo tal postura indicadora da necessidade de se repensar a “jurisprudência defensiva” adotada de que o habeas corpus não poderia ser utilizado para substituir recurso.
2. Do histórico referente ao Habeas Corpus substitutivo de recurso.
O Habeas Corpus substitutivo de recurso sempre foi aceito pelos Tribunais, notadamente pelo STF, até que em 2012, no julgamento do HC 109.956, 1ª turma, DJe 11.09.12 a Primeira Turma, acabou por adotar a posição na inadmissibilidade do Hc substitutivo com o argumento da sobrecarga de trabalho e da falta de previsão expressa do HC substitutivo, analisando, já nesse caso a possibilidade de concessão de ofício. Ou seja, esdruxulamente, data concessa maxima venia, externou-se a impossibilidade do manejo do writ, mas, analisou a possibilidade de concessão.
Vale citarmos a ementa da paradigmática decisão:
HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. PROCESSO-CRIME – DILIGÊNCIAS – INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo, indeferi-las.
Nessa toada o STJ e os demais Tribunais Pátrios acabaram por adotar a mesma ratio dencidend, mantendo entretanto a possibilidade de concessão de ofício.
No entanto, em 2018 o próprio STF mudou de entendimento passando admitir o Habeas Corpus substitutivo, inclusive em decisões exaradas pelo Pleno, como é o caso do HC 152.752/PR
Destaca-se, conforme pesquisa levada a efeito no artigo de autoria de Pedro Machado de Almeida Castro e Vinícius André de Sousa que:
Numa rápida pesquisa, observamos que todos os ministros da 5ª turma ainda decidem assim reiteradamente. Demonstraremos isso exemplificando alguns processos da relatoria de cada um deles, sempre decisões proferidas na mesma data – que serão apenas exemplificativas, sem compromisso de pesquisa exauriente. Explicitaremos a data do julgamento das decisões colegiadas, em vez da data de publicação, para que o leitor saiba exatamente quando houve a tomada de decisão. Todas as decisões fazem referência expressa ao “entendimento firmado pelo Supremo” (na verdade já superado), muitas vezes na própria ementa.
Assim, mesmo com o entendimento superado o STJ vem utilizando-o para inadmitir o writ. Pior que os Tribunais vêm adotando esse entendimento superado.
Citamos o Tribunal de Justiça de Minas gerais no Habeas Corpus Criminal 1.0000.22.180163-2/000, Relator(a): Des.(a) Anacleto Rodrigues, 8ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 08/09/2022, publicação da súmula em 09/09/2022.
No mesmo sentido o Tribunal de Justiça da Bahia no Habeas Corpus número do Processo: 8029248-88.2022.8.05.0000, Relator(a): SORAYA MORADILLO PINTO, Publicado em: 10/08/2022 e o Tribunal de Justiça do Distrito federal e Territórios no Acórdão 1604391, 07219984520228070000, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 10/8/2022, publicado no PJe: 29/8/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.
Mais do a mudança perpetrada pelo STF no seu entendimento a questão da possibilidade do Habeas Corpus substitutivo de recurso perpassa pela necessidade de se privilegiar instrumento de tamanha relevância apto a coactar ilegalidades sem qualquer restrição constitucional ou infraconstitucional para seu manejo nesses casos, não podendo ser argumento jurídico o número exacerbados de processos.
2. Da efetiva possibilidade do Habeas Corpus substitutivo de recurso e revisão criminal.
É comum, muitas vezes, debater-se sobre a possibilidade, ou não, do Habeas Corpus substituir o recurso, ordinário ou excepcional, a exemplo do que acontece com o especial, o extraordinário e o recurso ordinário constitucional.
O tema sempre permeia entre as correntes que prezam pelo respeito de preservação dos ritos procedimentais e aqueles que defendem a impossibilidade de manutenção do constrangimento ilegal ou ameaça de coação injurídica, reclamando, dessa forma, adoção de medida processual pronta e rápida, mesmo que não regular. Entretanto, esquecem que o uso dos recurso regulares de uma decisão não anulam a impetração do mandamus, conforme deixou assentado o Superior Tribunal e Justiça que:
[…] o entendimento pretoriano é no sentido de que não existe óbice à impetração de habeas corpus com a simultânea interposição da apelação, salvo em se tratando de exame de matéria de fato a reclamar investigação probatória, ou quando evidenciado o propósito de suprimir com o remédio heroico o segundo grau de jurisdição, com transferência para a instância especial do encargo do julgamento do recurso, de devolutividade ampla, para ser dirimido na esfera de conhecimento limitado […] (RSTJ 129/473)
É digno de nota que já no julgamento do Habeas Corpus n.º 109.956, o Ministro DIAS TOFFOLI então presidente da Primeira Turma assentou em seu voto a natureza do habeas corpus inclusive já desde o Código Processual Penal do Império e a impossibilidade de restringir sua abrangência, valendo trazer a baila as palavras do Ministro:
Peço vênia à douta maioria formada para me alinhar à jurisprudência da Corte, tanto da Primeira Turma, até o dia de hoje, quanto da Segunda Turma, entendendo viável e cabível a via do habeas corpus. Desde o Código Processual Penal do Império, é previsto que, sempre que um juiz, ou tribunal, se depare com uma ilegalidade, ele deve conceder a ordem, mesmo que de ofício, se for o caso de constrição à liberdade de ir e vir do cidadão. Não vejo como colocar peias à viabilização do acesso do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário. Mas me curvarei à douta maioria, a partir dos próximos julgamentos; porém, consigno o meu voto vencido.
Fazendo uma referência histórica do remédio constitucional sua natureza sempre foi de garantia de tutela da liberdade de locomoção ,com extenso cabimento, como bem assevera Gustavo Henrique Badaró:
Enquanto garantia constitucional para a tutela da liberdade de locomoção, o habeas corpus é medida de amplíssimo cabimento.
A única vedação constitucional em que se impede o emprego do habeas corpus é para atacar as prisões disciplinares militares (art. 142, § 2.°, da CR). Esse, portanto, costuma ser tratada pela doutrina como o único caso de impossibilidade jurídica do pedido de habeas corpus.
Nessa lógica, não caberia ao intérprete da norma ampliar a restrição de cabimento do habeas corpus criando empecilhos à sua utilização além do que já previu a própria constituição, sendo na verdade essa posição antidemocrática, principalmente quando o fundamento é o acumulo de processos nos gabinetes.
Outra questão ser levada em conta é a demora que normalmente se tem no julgamento do recursos ordinário e a pressa que se exige para julgamento de um suposto ato ilegal de restrição ou ameaça de restrição da liberdade.
Vale os esclarecimentos de escol do professor Aury Lopes Jr.:
A ausência de efeito suspensivo, bem como a tramitação mais lenta (eis que um recurso), faz com que o Recurso Ordinário imponha um grande ônus para o acusado preso. Por isso, durante muito tempo, esteve jogado ao ostracismo, sendo substituído pela interposição de novo HC. Mas, nos últimos anos, tem se fortalecido o entendimento – especialmente no STJ – de não conhecer de HC substitutivo de Recurso Ordinário. Trata-se de um movimento de filtragem jurisdicional diante da avalanche de HCs diariamente interpostos no STJ. Por tal motivo, destacamos que atualmente tem predominado essa postura de não admitir HC substitutivo de Recurso Ordinário. Não sem razão, na prática forense, e comum ver-se – após a denegação do HC por um TJ ou TRF – a interposição de Recurso Ordinário (para atender o rigor formal do STJ) e também novo HC (argumentando a urgência diante da existência de prisão, na esperança de que o writ seja conhecido e provido).
Ainda há de se chamar atenção para o fato de que a proibição do habeas corpus substitutivo remete aos tempos sóbrios da nossa história com a edição do AI – 5 que como bem salienta Alberto Zacharias Toron mudou-se a redação do art. 114, II da CF para proibir a substituição.
O autor supracitado ainda em sua obra sobreleva a importância do habeas corpus e sua natureza no exercício de defesa de um direito fundamental do individuo que não pode restringido nem sequer por regra processual, citando voto do Ministro Gilmar Mendes no voto proferido no julgamento do HC 111670 que replicamos:
O valor fundamental da liberdade, que constitui o lastro principiológico do sistema normativo penal, sobrepõe-se a qualquer regra processual cujos efeitos práticos e específicos venham a anular o pleno exercício de direitos fundamentais pelo indivíduo. Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião das liberdades fundamentais asseguradas pela Constituição, cabe adotar soluções que, traduzindo as especificidades de cada caso concreto, visem reparar as ilegalidades perpetradas por decisões que, em estrito respeito a normas processuais, acabem criando estados de desvalor constitucional.
Não e trata apenas da missão precípua do STF de resguardar valores constitucionais mas, sobretudo, garantir a efetivação do instrumento de garantida de liberdade seja substituindo recurso ordinário, recurso de apelação RESE ou até Revisão Criminal.
Tal posição fica mais latente diante do decisionimo jurídico em que as Cortes incorrem quando não conhecem do HC substitutivo e concedem a ordem de ofício.
A título de exemplo citamos julgado do STJ:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. LIBERDADE CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PELO TRIBUNAL EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VIA INADEQUADA. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE ABSTRATA. PACIENTE PRIMÁRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, a, da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal. No entanto, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante. 2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ. 3. Caso em que o paciente foi beneficiado com a liberdade provisória, mas a prisão foi decretada pelo Tribunal sem apontar elementos concretos ou excepcionais, além de aspectos inerentes à autoria e materialidade delitivas. 4. O paciente é primário e a quantidade de droga apreendida (478g de maconha e 8,4g de crack) não pode ser considerada relevante a ponto de justificar o total cerceamento da liberdade do réu Constrangimento ilegal evidenciado. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a decisão de primeiro grau que concedeu a liberdade provisória ao paciente. (STJ – HC: 652552 PR 2021/0078087-4, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 30/03/2021, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/04/2021) (grifamos)
Na mesma linha andam os Tribunais locais: TJ-TO – HC: 00005752020198270000, Relator: EURÍPEDES LAMOUNIER e TJ-CE – HC: 06314697520208060000 CE 0631469-75.2020.8.06.0000, Relator: LIGIA ANDRADE DE ALENCAR MAGALHÃES, Data de Julgamento: 27/10/2020, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 27/10/2020.
Inclusive do STJ assim vem fazendo em sede de revisão criminal:
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A REVISÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. 2. A anulação do julgamento proferido pelo Conselho de Sentença pelo Tribunal de origem nos termos do artigo 593, III, d, do CPP, somente é possível quando tenha sido aquele manifestamente contrário às provas dos autos. E, decisão manifestamente contrária às provas dos autos, é aquela que não encontra amparo nas provas produzidas, destoando, desse modo, inquestionavelmente, de todo o acervo probatório. 3. Havendo duas versões a respeito do fato, ambas amparadas pelo conjunto probatório produzido nos autos, deve ser preservada a decisão dos jurados, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos, que, no caso, decidiu pela absolvição do réu. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a sentença absolutória. (STJ – HC: 538702 SP 2019/0304433-4, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 07/11/2019, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2019) (grifamos)
A doutrina de André Nicolitt muito bem chama a atenção dessa atecnia criada:
Trata-se de método de inspiração sofista, pois como “conceder de oficio” uma ordem que foi expressamente pedida. O órgão julgador foi provocado exatamente para conceder a ordem. Como se disse acima, no dicionário jurídico, conceder de ofício só é possível quando não houve provocação da parte.
Portanto, não há lógica em não conhecer o habeas corpus e casuisticamente, “de ofício” reconhecer a ilegalidade apontada concedendo a ordem, criando insegurança jurídica.
3. Da conclusão.
Em apartada síntese, não pode o habeas corpus sofrer restrição de uso com base em decisão do Supremo Tribunal Federal quando nem mesmo essa Corte não mais vem adotando tal posicionamento.
Mais, não pode um instrumento de importância indiscutível ser restringido sob o argumento de números exacerbados de processo para julgar nos gabinetes.
Diga-se ainda, não pode o intérprete restringir instrumento garantidor e liberdade sob pena de efetiva postura autoritarista e que fere direito fundamental.
Não se pode exigir a impetração de recurso que tem tramitação mais lenta quando se persegue a liberdade ou quando se quer impedir ameaça a tal direito.
Por fim, não se pode permitir esdruxulamente não se conhecer da ordem de maneira geral pelo suposto não cabimento e casuisticamente conceder-se a ordem “de ofício”.
Habeas corpus é garantia e como garantia deve ser sempre privilegiado.
Oxalá tais restrições sejam logo extirpadas dos nossos julgados pela Brasil.
REFERÊNCIAS:
1. BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. 2ª Ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 515.
2. BRITO, Gustavo Ribeiro Gomes. O Habeas Corpus como meio de reequilíbrio entre a acusação e defesa no Processo Penal. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-habeas-corpus-como-meio-de-reequilibrio-entre-a-acusacao-e-defesa-no-processo-penal, acesso em 15/08/2022.
3. LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 16º Ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 1146.
4. NICOLITT, André. Manual de Processo Penal / André Nicolitt – 10. ed. – Belo Horizonte, São Paulo : D’Plácido, 2020.
5. NUNES, Mariana Madera. Os novos desafios ao cabimento de Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal. Disponível em: ,https://www.conjur.com.br/2020-ago-13/pensando-habeas-novos-desafios-cabimento-habeas-corpus-stf acesso em 08/09/2022.
6. Pedro Machado de Almeida Castro e Vinícius André de Sousa disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/328769/afinal—admite-se-habeas-corpus-substitutivo-de-recurso-ordinario
7. TORON, Alberto Zacharias. Habeas corpus: controle do devido processo legal: questões controvertidas e de processamento do writ. 1ª Ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.